Para celebrar as 250 edições da newsletter “eu destruirei vocês”, a
nos presenteou com uma lista de 250 ideias de textos, de temas variados, pra gente fazer o que quiser, inclusive escrever sobre. E comentou que quem postasse no Substack um texto escrito sobre um dos temas seria linkado na próxima edição, como a sessão de cartas dos leitores na revista Recreio.1 E, no meio de muitos temas interessantes, resolvi escrever sobre um tema incomum. Escolhi o “197 - sua canção de country estadunidense favorita”.2Não vou mentir, eu escolhi esse tema porque achei que ninguém ia escrever a respeito, mas também porque eu gosto muito de música e tenho uma música definida na cabeça como minha favorita no gênero. Eu comecei a ouvir country tarde, mas desde que eu ouvi essa música, não tive dúvidas de que seria minha favorita: Friends in Low Places, do Garth Brooks.
Um pouco de contexto: o Garth Brooks é uma lenda do Country. Surgiu no final da década de 80 quando os gênios do mal de Nashville bolaram planos pra colocar o country de volta nas paradas Pop mais gerais, fora do nicho (gigantesco, mas ainda um nicho) das rádios Country, incorporando elementos do Pop e do Rock e parindo nomes como Shania Twain, Toby Keith,3 Billy Ray Cyrus (sim, o pai da Miley) e o nosso herói Garth Brooks. Ele é o artista com mais álbuns certificados com disco de platina da história, o segundo com mais álbuns vendidos, passando o Elvis, e você nunca ouviu falar dele. É um pouco aquela eterna história do Caetano ser considerado o bamba da MPB enquanto o Amado Batista vendia disco a rodo.
Normalmente, esse seria o momento de se criticar a hegemonia cultural dos Estados Unidos, eu sou super a favor, mas, novamente, você nem sabe quem é o Garth Brooks. Há uma certa beleza em ser o rei quase absoluto de um lugar e um lugar apenas. Quase toda uma carreira baseada em metade de um país. Mas vamos logo falar da música que eu já divaguei demais.
Friends in Low Places mistura dois tipos de músicas muito comuns na música caipira do mundo todo: as músicas blue collar, que tratam da classe trabalhadora (rendeu clássicos como “Pink Houses”, do John Mellencamp e “Take This Job and Shove It”, do Johnny Paycheck.), e também da música sobre ser raiz, cujo grande exemplo além desse som é o clássico maior Não Deixo Não, do Mano Walter.4 É uma ode aos trabalhadores que vivem à margem dos grandes centros, trabalhando duro e procurando alguma diversão para escapar dos problemas da vida. Do countryman que era rebaixado por sua companheira por ser um homem do campo e aparece na recepção de seu casamento para lhe dizer que tem orgulho de ser quem é.
E eu sei que parece uma mensagem particularmente datada, mas funciona muito. A melodia é imortal, feita pra ser cantada a plenos pulmões. E quando ele começa a cantar você já se rendeu completamente:
Blame it all on my roots, I showed up in boots
And ruined your black tie affair
The last one to know, the last one to show
I was the last one you thought you'd see there
A imagem desse cara aparecendo e cantando com aquele sotaque sulista carregadíssimo no meio do casamento é uma imagem patética, mas poderosa. E continua, enchendo o saco do noivo e propondo um curioso brinde:
And I saw the surprise, and the fear in his eyes
When I took his glass of champagne
And I toasted you, said, "Honey, we may be through
But you'll never hear me complain"
É curioso. Como muitas músicas que tratam desse tema, o Garth Brooks quer que você entenda o quão patético ele é nessa situação. Ele canta com um sorriso no rosto sobre uma situação que é horrível pra ele. Menos Marília Mendonça, mais Simone e Simaria. A música começa lenta porque no final das contas, o conteúdo não é alegre. Mas aí no final desse segundo verso tem um crescendo e temos um dos grandes refrãos de todos os tempos:
'Cause I've got friends in low places
Where the whiskey drowns and the beer chases
My blues away and I'll be okay
I'm not big on social graces
Think I'll slip on down to the Oasis
Oh, I've got friends, in low places
Essa é a grande declaração da música: eu não tenho amigos em grandes posições de sucesso, tá todo mundo meio lascado tentando vencer na vida e escapar na tristeza, mas eu vou ficar bem. É isso que eu sou. O segundo verso segue nessa temática, quando nosso “herói” termina seu show e sai de cena, mas não antes de deixar seus últimos recados:
Well, I guess I was wrong, I just don't belong
But then, I've been there before
Everything's alright, I'll just say goodnight
And I'll show myself to the door
Hey, I didn't mean, to cause a big scene
Just give me an hour and then
Well I'll be as high as that ivory tower
That you're livin' in
Errado sim, mas consciente do meu lugar. Eu sei que eu jamais vou pertencer a esse mundo do dinheiro, do colarinho branco. Mas nada vai me impedir de me divertir.
Eu não sei o que me fez gostar tanto dessa música. Eu sou um cara urbano, morador de uma capital, o meu “interior” é tão fajuto que é na verdade um balneário administrado pela prefeitura da capital. Eu não bebo, e jamais invadiria o casamento da minha ex. Nem do Sul do Brasil eu sou, pelo amor de Deus, eu sou nortista!
Mas tem algo nessa música que funciona muito comigo. Um escritor chamado Chuck Klosterman escreveu uma vez que o Garth Brooks preencheu um vácuo nos anos 90 que o Bruce Springsteen deixou. Claro, o Boss é incomparável, mas ele é o Boss, ele conceitualmente está acima de nós. O Garth Brooks é amigo, irmão. Friends in Low Places é uma canção triste que te faz ficar feliz, e é nesse paradoxo que o Pop fez sua escola.
No fim, essa música é sobre aprender a rir de si mesmo até nos piores momentos. Sobre encontrar alegria nos nossos piores momentos. Às vezes o lugar que a gente vive é permeado por dificuldades, mas ninguém precisa se envergonhar não ser big in social graces ou de ter friends in low places. E é por isso que essa é minha canção de country favorita. Ouçam e se deliciem:
Recomendações
A edição de hoje é uma edição extra, por isso não está numerada. mas eu vou deixar o meu top 5 do country como recomendação
Friends in Low Places - Garth Brooks
God’s Gonna Cut You Down - Johnny Cash
Behind the Clouds - Brad Paisley
Pink Houses - John Mellencamp
9 To 5 - Dolly Parton
É isso, meus queridos, até a próxima!